Entendendo a nova regulamentação de bioinsumos no Brasil

Nota do editor: Ignacio Moyano Córdoba é vice-presidente da América Latina na DunhamTrimmer. Nos últimos 25 anos, Moyano construiu uma carreira servindo à agricultura latino-americana por meio de cargos de alta gerência nas indústrias de produtos biológicos e fertilizantes de valor agregado. Seguindo A adoção pelo Brasil de uma nova lei que regulamenta a produção de produtos biológicos em fazendas em dezembro passado, Ignacio ajudou a montar um painel de líderes de pensamento brasileiros para fornecer à 2BMonthly suas perspectivas bem informadas sobre a nova lei e suas implicações generalizadas. Abaixo está um trecho do Q&A de Ignacio com esses especialistas, retirado de uma edição recente. 

Você concorda fundamentalmente com uma lei que permite a produção de micróbios em fazendas no Brasil?

Dra. Mariangela Hungria da Cunha, Líder de Pesquisa do Centro Embrapa Soja: Tenho a liderança de um grupo de Microbiologia do Solo na Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), no Centro da Soja, e também sou líder de um grupo nacional em um instituto virtual (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Microrganismos Promotores do Crescimento de Plantas para Sustentabilidade Agrícola e Responsabilidade Ambiental). Temos discutido a produção on-farm em nosso grupo científico nos últimos cinco anos. Acreditamos que qualquer um pode produzir seus biológicos desde que: 1) Adquira cepas adequadas e oficiais que os pesquisadores brasileiros tenham confirmado serem eficientes e seguras para uso; 2) Tenha um programa sistemático de controle de qualidade em vigor e um técnico responsável pela produção; e 3) Tenha sua unidade de produção registrada no Ministério da Agricultura. Em relação a essa produção especificamente, estamos muito preocupados com a disseminação de doenças e o uso de microrganismos que não foram avaliados adequadamente em relação à eficiência agronômica.

Ithamar Prada, CEO da BioWorld: Sim, essa lei representa um avanço importante para a agricultura brasileira. Ela foi construída com a participação de diversas associações, envolvendo a indústria, pesquisadores, produtores e agentes reguladores. A lei é moderna e fornece bases importantes para a segurança jurídica dos produtores e de toda a cadeia de bioinsumos, tanto para a indústria de produtos acabados quanto para as empresas que fabricam tecnologias para produção on farm. Certamente, a lei contribui para avanços importantes na sustentabilidade da agricultura brasileira com benefícios que já serão percebidos em curto prazo.

Júlia Emanuela de Souza, Diretora de Assuntos Governamentais e Regulatórios da ANPII Bio: A produção on farm é uma realidade na agricultura brasileira há alguns anos. A regulamentação era urgente para garantir que essa produção ocorresse de forma segura, eficiente e alinhada aos interesses tanto dos produtores quanto da indústria de bioinsumos, bem como do meio ambiente e da sociedade como um todo. A lei permite a produção on farm, mas não abre as portas para a produção descontrolada; pelo contrário, estabelece limites claros e diretrizes mínimas para garantir a qualidade e a segurança dos produtos.

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Isso é essencial para proteger a saúde do solo, das plantas e dos consumidores, ao mesmo tempo em que fortalece a confiança no setor de bioinsumos. Isso é crucial para evitar problemas como a proliferação de produtos de baixa qualidade ou a falta de transparência no mercado. A regulamentação não apenas organiza uma prática que já existia, mas também a transforma em uma ferramenta confiável para a agricultura, garantindo que o Brasil continue a progredir de forma responsável no setor de bioinsumos.

Gustavo Branco, CEO da FertiGlobal Brasil e Diretor Membro da ABISOLO (Associação Brasileira das Indústrias de Tecnologia em Nutrição Vegetal): Fundamentalmente, sim. Mas estruturalmente, tenho minhas dúvidas.

Você concorda ou nega que a produção de produtos biológicos nas fazendas tem sido um importante impulsionador do crescimento no Brasil?

Hungria: Concordo que os produtos biológicos têm sido um importante impulsionador do crescimento no Brasil.

Prada: Concordo. A produção on farm é essencial para a adoção crescente de bioinsumos no Brasil, especialmente devido às dimensões continentais do país e à infraestrutura logística deficiente. Com alta tecnologia aplicada nos processos de produção on farm, os produtores podem fabricar produtos com alta qualidade, desempenho e uma relação custo-benefício muito atrativa. Como consequência, esse modelo cria condições para a adoção mais ampla de bioinsumos em geral. Obviamente, a produção on farm não é para todos os produtores, sendo mais adequada para produtores maiores, com um nível tecnológico muito alto e uma mentalidade voltada para qualidade e processos.

Emanuela de Souza: A produção on farm de biológicos pode ser considerada um fator de crescimento no Brasil, mas esse tópico deve ser abordado com cautela. De fato, a tecnologia de bioinsumos desenvolvida pela indústria é muito competente para sua função: é sustentável, eficiente e surge como uma alternativa necessária em um cenário ainda dominado pela dependência de produtos químicos. No entanto, a ampla adoção dessa tecnologia só trará benefícios reais se for acompanhada de rigorosos controles de qualidade e segurança.

A produção na fazenda, por si só, não é garantia de sucesso. Pelo contrário, sem regulamentação adequada e padrões bem definidos, pode representar um risco à reputação dos bioinsumos e à confiança dos produtores. A falta de controle pode resultar em produtos de baixa qualidade, minando a eficácia da tecnologia e colocando em risco sua credibilidade.

Portanto, é essencial ressaltar que a produção on farm só se tornará um fator positivo se for realizada de forma responsável e dentro de parâmetros que garantam a segurança e a eficiência dos produtos. Sem isso, em vez de impulsionar o crescimento, poderá se tornar um obstáculo à adoção em larga escala dessa promissora tecnologia. Regulamentação e fiscalização não são opcionais; são indispensáveis para garantir que os bioinsumos continuem avançando de forma segura e sustentável no Brasil.

Branco: A produção na fazenda foi um impulsionador biológico que tem sido usado por muitos participantes, do governo, empresas e fazendeiros, que no começo pensaram que seria fácil controlar e evitar problemas. Com a legislação agora em vigor, vemos que aqueles aspectos que se esforçam para classificar os produtos, impor impostos e proibir a venda desses produtos fora da fazenda (sendo este último o problema mais complicado) ainda carecem de clareza e compreensão.

Como você responderia às preocupações sobre o controle de qualidade de produtos fabricados na fazenda?

Hungria: A grande maioria dos agricultores não tem um programa de controle de qualidade. Portanto, estamos muito preocupados com o que foi introduzido em nossos solos. Até agora, todos os produtos da fazenda que analisamos em nosso laboratório têm contaminantes, muitas vezes em concentrações muito altas. Muitas vezes, esses produtos não têm o microrganismo desejado. Portanto, temos que avançar em relação à qualidade da produção na fazenda.

Prada: Essa pode ser uma das perguntas mais frequentes sobre o tema, e a resposta é bem simples: independentemente de a produção ser na fazenda ou industrial, é importante que processos de produção e sistemas de gestão da qualidade sejam implementados.

Não é porque é on farm que a aplicação pode ser feita sem processos rigorosos, que devem abranger desde as instalações da biofábrica até o monitoramento de cada etapa da engenharia do bioprocesso, garantia da qualidade da água, higienização dos equipamentos, cuidados com a qualidade dos meios de cultura, controle dos principais parâmetros do processo como pH, temperatura e outros, armazenamento e logística até a entrega no campo. Em suma, como em qualquer negócio, ter pessoas e processos bem treinados é essencial para uma produção de alta qualidade.

Emanuela de Souza: As preocupações com o controle de qualidade dos produtos on-farm são mais do que válidas; elas são essenciais para garantir que essa prática se torne uma aliada, não uma ameaça, ao avanço da agricultura sustentável. Reconheço que, sem padrões de qualidade, a produção on-farm pode criar incertezas e riscos, como a produção de produtos ineficazes ou mesmo prejudiciais ao solo, às plantas, aos trabalhadores e aos consumidores.

Portanto, a resposta a essas preocupações está no fortalecimento dos mecanismos de controle e regulamentação. É necessário estabelecer diretrizes claras, processos de inspeção eficientes e critérios técnicos para garantir a qualidade e a segurança dos produtos. A rastreabilidade dos microrganismos utilizados é um ponto crítico: conhecer sua origem, características e eficácia é fundamental para evitar contaminações e garantir que os produtos cumpram sua finalidade. Além disso, a presença de um supervisor técnico na fazenda é indispensável para supervisionar os processos, garantir o cumprimento das regulamentações e garantir que a produção seja realizada com o conhecimento e o cuidado necessários.

A adoção de boas práticas e o treinamento de produtores são etapas essenciais para garantir que os bioinsumos na fazenda atendam aos padrões mínimos de qualidade que garantem a segurança para todos. Além disso, é importante envolver todas as partes interessadas do setor — produtores, indústria, órgãos reguladores e pesquisadores — em um diálogo contínuo para identificar e abordar deficiências, compartilhar conhecimento e promover a melhoria contínua.

Branco: Conhecimento, inovação e suporte técnico são os pilares fundamentais para fornecer produção correta, segura e viável na fazenda. Mas esses pilares exigem condições técnicas pelas quais a maioria dos fazendeiros não quer pagar. O resultado é qualidade inferior, menos segurança e uma percepção negativa da produção na fazenda. Também devemos considerar o que os fazendeiros esperam alcançar com esses produtos, que geralmente são substituir agroquímicos, solubilizar nutrientes e melhorar a saúde do solo. Esses resultados exigem um processo de produção específico, equipamento especializado e uma força de trabalho qualificada dificilmente possuída pelo fazendeiro médio.

Essas expectativas são atendidas muito mais prontamente com soluções de produtos fornecidas pela indústria privada, onde processos e condições foram melhor otimizados para atingir o resultado desejado: alta qualidade, garantia de segurança e um preço atrativo. Os mesmos desafios de produção enfrentados pelos fornecedores, incluindo questões técnicas, manutenção de equipamentos e finanças (crédito e condições de pagamento), também devem ser abordados com a produção na fazenda. Em última análise, isso reduz a atratividade da produção na fazenda, independentemente de a ideia ser ou não algo impulsionado por alguns participantes (principalmente fornecedores e empresas que desenvolveram soluções inteligentes para a produção na fazenda).

Em outras palavras, ambos os lados — a indústria que desenvolve produtos biológicos de uso final e os fornecedores que dão suporte ao próprio processo de produção na fazenda estão trabalhando duro para convencer os fazendeiros de que sua abordagem é a melhor. É importante lembrar que, no final, as incertezas econômicas e geopolíticas que os fazendeiros estão enfrentando influenciam muito suas decisões. Essas variáveis podem afetar drasticamente a dinâmica do segmento, mudando essa avaliação.

Como você responderia às preocupações em torno dos diferentes requisitos regulatórios para fabricantes e produtores rurais?

Hungria: As exigências são muito restritivas e custosas para a indústria, praticamente sem restrições para a produção on farm. Mas o que vai acontecer (está acontecendo) é que a indústria está investindo em inovação. E a produção on farm provavelmente não terá acesso a essas inovações. Para que a indústria continue investindo em inovações, é altamente necessária uma mudança na legislação brasileira que hoje não permite a propriedade intelectual e industrial de microrganismos.

Prada: Acredito que a nova legislação trouxe clareza e equilíbrio às exigências regulatórias, permitindo a boa convivência dos dois modelos de negócio. A nova lei define pontos importantes quanto à necessidade de técnico qualificado para produção on farm e a proibição do uso de produtos comerciais como fonte de inóculo, entre outros pontos. O Brasil vem liderando o uso de bioinsumos globalmente e precisava de uma legislação que regulasse e permitisse o avanço do setor. Esta lei marca o início de uma nova era de sustentabilidade ainda maior na agricultura brasileira e beneficiará toda a cadeia produtiva de alimentos no país, desde a indústria de insumos, produtores e consumidores.

Emanuela de Souza: As diferenças existem porque os objetivos de cada um são distintos. Os fabricantes industriais operam em larga escala, com foco na comercialização e inovação, enquanto a produção na fazenda é voltada para o autouso, abordando necessidades específicas. No entanto, o que realmente importa são os requisitos comuns que garantem a segurança, qualidade e confiabilidade dos bioinsumos, independentemente de onde sejam produzidos.

Controle de qualidade e contaminantes, boas práticas de produção, presença de supervisor técnico qualificado e rastreabilidade de microrganismos são pilares essenciais que devem ser aplicados a todos. Além disso, o registro de ambos os tipos de instalações de produção é crucial para garantir transparência e supervisão.

Ao mesmo tempo, é importante enfatizar que a proibição da comercialização de bioinsumos produzidos na fazenda e a proibição da multiplicação de produtos comerciais são medidas que protegem a inovação. Essas regras incentivam a indústria a investir em pesquisa e desenvolvimento, criando soluções tecnológicas avançadas que só podem ser alcançadas em escala industrial. Isso não apenas fortalece o setor de bioinsumos, mas também garante que os produtores tenham acesso a produtos de alta qualidade, seguros, eficientes e modernos.

Branco: A melhor solução depende de uma boa regulamentação, que neste caso não é fácil de fornecer, pois ainda há uma quantidade significativa de incerteza em torno da classificação do produto. O governo é desafiado a identificar quem é a fonte de dados mais confiável para fornecer a classificação correta, muito menos a estabelecer padrões de qualidade (para produção na fazenda ou industrial) com o objetivo de definir e avaliar o que cada produto/tecnologia propôs fazer.

A Lei 15.070 se esforça para não apenas definir produtos biológicos, mas também deve regular como o processo de classificação é implementado, como o processo de inspeção funciona e como os resultados são analisados, etc. Isso sinaliza que estamos caminhando na direção certa em um caminho que todos devem seguir, em direção a um ambiente técnico, legislativo e empresarial adequado (e comum). Ouvimos discussões em conferências e eventos internacionais, tanto para a indústria quanto para os agricultores, de que a expectativa tem sido alta para essas diretrizes. A realidade, no entanto, mostrou que ainda temos muito trabalho a fazer para chegar onde precisamos estar. No entanto, o Brasil deu os primeiros passos, indicando que estamos no caminho certo e demonstrando que juntos podemos melhorar esse segmento e liderar a agricultura global para o futuro.

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